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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Produzir Leite é Bom Negócio? Capitulo 7 - Parte 2

No artigo anterior comentei sobre os modelos atuais de produtores de leite e aqueles que,  penso eu, vão permanecer na atividade e, se mesmo assim, você está curioso com o negócio, vou comentar  sobre  as coisas boas e as ruins da atividade leiteira.

Quando abandonei o mundo glamouroso das telecomunicações em 2004 e decidi me aventurar no universo empoeirado e deselegante do mundo rural, muitos amigos diziam, você está trocando o dinheiro, a vaidade e o stress pela qualidade de vida. Minha esposa, oriunda de uma família tradicional de pecuaristas falou simplesmente: você perdeu o juízo.

Nem uma coisa nem outra: na verdade lidar com animais, com a terra, sentir a vida pulsando em cada lugar, não tem preço, é algo único que poucos podem experimentar. Mas tudo nesta vida tem seu preço. Vamos portanto, decifrar este negócio por partes:

Dificuldades:

1 - Uma atividade que não pode parar


Existem 3 tipos de empresas
  • As que trabalham cinco ou seis dias por semana
  • As que não trabalham dia nenhum (estatais)
  • E as que não podem parar e neste tipo,  se encaixa a atividade leiteira.
Então, tenha em mente esta lição número um: a atividade, faça chuva ou faça sol, não pode parar, nem no natal nem em dia nenhum. Isto a princípio parece contornável, mas com o tempo lhe trará um stress parecido com o do mundo dos executivos.

2 - Pessoas não querem viver no campo


O ser humano é um ser social e o que ele quer mesmo é barulho, multidão, shoppings e as benesses e os horrores de uma cidade. Não adianta você tentar convencê-lo com os prazeres da vida bucólica, com o ar limpo, o silêncio e outras bobagens. Não, ele quer ficar preso na hora do rush, gritar e buzinar como um louco, beber todas no boteco da esquina, discutir futebol e mulheres com os amigos. Enfim, um ser social, uma criatura elevada, quase espiritual.

3 - Máquinas quebram e na pior hora possível


Antigamente para se produzir leite, precisava-se de umas poucas vacas, um balde, um banquinho e uma mão de obra barata e escrava, que trabalhava feliz sete dias por semana. Hoje você precisa de muitas vacas, uma ordenhadeira mecânica, um resfriador de leite, tratores, máquinas agrícolas, veterinários, uma infra-estrutura sofisticada e complexa, e obviamente uma mão de obra que deixou de ser barata, na verdade está muito cara, trabalha pouco, é insatisfeita mesmo com todas as regalias possíveis e tem folgas semanais. Para piorar, as máquinas também parecem também dispostas a largar o campo e quebram, com menos frequência que os funcionários, mas quebram. E estes pequenos problemas são como o veneno de uma abelha, ele é acumulativo, você vai contornando, administrando  mas um dia você realmente percebe todo o seu efeito e o resultado é stress. 

4 - A produtividade precisa crescer em média geométrica

Em 2004, uma fazenda de leite para ser produtiva, precisava produzir 10 mil litros de leite/hectare. Oito anos depois consegui atingir 20 mil litros/hectare, mas os padrões mudaram mais rápido e hoje o ideal,  é se produzir 60 mil litros/hectare, muito embora a produtividade média nacional  não passe de míseros 2 mil litros/hectare. Mas se você quer produzir leite, esqueça o Brasil e seus números, pois a realidade da industria láctea no país ainda está no século passado. Na verdade a  pecuária de leite tupiniquim, está anos luz atrás da avicultura e da suinocultura brasileiras. Mas chegaremos lá  e seremos os primeiros do mundo nesta área também.

5 - Globalização e falta de uma política governamental para o setor

O produtor de leite brasileiro nunca recebeu subsídios como o americano e o europeu, que lhes permitiram criar uma infra-estrutura invejável, tecnologia e o melhor rebanho possível. O pobre produtor brasileiro, sempre marginalizado, sobreviveu como pôde e o resultado é a baixa produtividade do setor, que faz governo e ecologistas criticarem os pobres coitados que ainda garantem o nosso leite de cada dia. E hoje tudo é muito mais complicado, pois os preços dos insumos dependem de Chicago, e uma seca como aconteceu nos EUA, faz os preços do milho e da soja atingirem valores nunca antes vistos por aqui, embora a produção nacional venha batendo recordes em cima de recordes. Mas um governo de ignorantes como o nosso, de repente toma uma medida estupida pensando em aumentar as exportações e deixa o dólar subir como um foguete. O resultado é que um saco de soja saiu de 32 reais para 80 reais e os nossos agricultores preferem exportar para os Chineses, claro, do que vender aqui. É bom para o país pois, entra mais dólares, mas a inflação vai voltar com força e ai os economistas Petistas provavelmente tomarão outra atitude igualmente estúpida. Para piorar as coisas ainda mais, geralmente quando os preços dos insumos estão altos, acarretando maiores custos por litro de leite, os preços pagos ao produtor caem, pois o Brasil precisa socorrer seus irmão Argentinos e Uruguaios e as multinacionais do setor, passam a importar leite caro de suas matrizes, que suspeito ser uma fonte de remessa de divisas para o exterior, da mesma forma que faz uma multinacional do setor automobilístico ao importar um simples parafuso por 10 mil dólares a unidade.

Vantagens

1 - Não existe esforço nenhum para vender o produto

Este é um dos dilemas das empresas e um de seus maiores custos. Sem vendas não existe receitas. O produtor de leite vende para quem quiser, e na verdade o mercado funciona ao contrário, é o Laticínio que investe em equipes que irão disputar com os concorrentes o leite do produtor.

2 - Quanto mais se produz maior é o valor recebido por litro de leite

Normalmente na industria, quanto mais se produz, maior a economia de escala, e se há excesso do produto,  menor é seu valor. A economia de escala no leite trabalha a favor do produtor. Quanto mais ele produz, mais ele recebe do Laticínio. Claro, se todos produtores produzem muito e inundam de leite o mercado, os preços despencam. Mas como o Brasil é um país continental, norte e sul tem chuvas em diferentes épocas do ano e isto contribui para uma estabilidade maior de preços no país. 

3 - O clima e a terra são generosos no Brasil

País nenhum no mundo possui as vantagens do Brasil, que na estação das chuvas pode por 6 meses manter seus rebanhos em pastagens tropicais, com suplementação por concentrados proteicos e energéticos para que os rebanhos atinjam a máxima produção. E na estação da seca, acontece algo extraordinário, o produtor tupiniquim pode contar com a cana de açúcar, um volumoso de baixa qualidade mas muito barato e que permite, com a suplementação proteica, uma media de leite muito boa. E para o gado solteiro, temos as pastagens, agora secas, mas que fornecem o chamado feno em pé, com uma quantidade de energia razoável e que com uma fonte adicional de proteína, permite o alimentar adequadamente o gado que não está em lactação bem como as novilhas ou o gado de corte. Outras fontes de volumosos, mais nobres e caras são as silagens de milho sorgo e até mesmo capim, que permitem uma produtividade maior. E temos ainda diversos sub-produtos, como polpa cítrica, caroço de algodão, casa de soja e outros que podemos utilizar para a suplementação dos bovinos.

4 - Venda de animais constitui uma fonte ótima de receitas

O leite é um produto primário de uma fazenda, mas a criação de animais, especialmente os de alto valor genético,  constitui um produto de alto valor adicionado. Assim, a venda de novilhas transforma-se numa ótima fonte de renda para as fazendas produtoras de leite, chegando a ser, às vezes muito mais rentável que que o leite em si próprio. E no Brasil, produzir uma novilha por inseminação artificial, sem utilizar transferência de embrião ou FIV, é extremamente barato senhores, em torno de R$ 1.000 reais, embora a maioria dos produtores jurem de pés juntos, que o preço é muito maior. Não deem muita atenção, pois, neste mercado há muito mais mentiras que verdade. Estas novilhas serão vendidas com preços a partir de 3.000 reais podendo chegar facilmente em leilões de elite de 6 até 8 mil reais por cabeça.

5 - A pecuária de Corte é um complemento natural da atividade

Uma regra básica, nunca deposite 100% de seus investimentos na produção de leite, prefira a diversificação,  50% em pecuária de corte e 50% no leite e assim você irá reduzir seus riscos pela metade, pois normalmente quando uma atividade está em baixa a outra está em alta. E não me venha falar que você não tem terras, com o pastejo rotacionado, tema de um artigo deste blog, você multiplica a capacidade de suas terras por 10, até mesmo 15 vezes.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Produzir Leite é Bom Negócio? Capitulo 7 - Parte 1

Os Censos Agropecuários de 95 e 2005 revelaram que meio milhão de pequenos produtores de leite até 50 litros/dia abandonaram a atividade naquele período. Estes são o que chamamos de produtores de subsistência, com renda de no máximo 4 salários mínimos e que,  ou crescem ou mudam de negócio ou procuram empregos nas cidades, aproveitando a boa fase da economia.Por outro lado, os produtores de 50 a 200 litros/dia quase que duplicaram, passando de 190 mil para 250 mil e podemos deduzir que do um milhão e meio de produtores de até 50 litros/dia, existentes em 1995, apenas 60mil buscaram aumentar a produção introduzindo novas tecnologias. Os demais, mais exatamente meio milhão como dissemos, chutaram o pau da barraca e mudaram de negócio e então vão resistindo até quando não der mais.

Mas o dado mais curioso, é que metade dos produtores com produção acima de 200 lt/dia também saiu do ramo, restando apenas 14 mil produtores, que vamos chamar de grandes, e que respondem por  por 20% do leite produzido no país. A metade do leite brasileiro vêem das fazendas que produzem até 200 litros/dia. São basicamente fazendas familiares, que possibilitam uma renda de até 10 salários mínimos mensais e que permitem uma família no campo viver razoavelmente bem, pois o custo para se viver no campo é muito menor que nas cidades.

Mas a verdade é que a segunda geração destes produtores, ou seja, os filhos, possuem um desejo irresistível de se mudarem para as cidades aliado ao fato que a maioria destas propriedades são pequenas e quando  divididas entre os filhos não permitem manter o mesmo padrão de renda que seus pais proporcionaram, a não ser nas raras famílias que conseguem trabalhar num sistema do tipo cooperativa.

O mais provável que vai acontecer é que uma pequena parte dos pequenos produtores até 50 litros irá migrar para a faixa intermediária e o restante irá desaparecer da atividade. Parte dos produtores médios até 200 litros continuará crescendo e um novo tipo de megaempreendedor irá surgir entra os grandes produtores, que farão investimentos vultuosos criando verdadeiras indústrias produtoras de leite, em nada lembrando uma fazenda tradicional, com modelos similares ao que podemos ver neste documetário de uma empresa de 500 mil litros/dia instalada no Vietnã.



O restante, que ainda usam o modelo tradicional e que não  possuem um aporte de capital necessário vão sucumbir perante as dificuldades crescentes de se encontrar mão de obra e pelos custos cada vez maiores da própria mão de obra e das commodities agrícolas num mundo cada vez mais globalizado. 


Estas mudanças acontecem no mundo todo, e há poucos dias li uma reportagem do New York Times que contava uma história de uma geração de produtores de leite nos EUA na qual, a primeira geração, os avós, criaram os filhos muito bem, com uma produçao diária de 800 lt/dia. Já a segunda geração, os pais, tiveram que produzir dois mil lt/dia pára criar bem seus filhos. A terceira geração, os netos, por sua vez mesmo produzindo quatro mil litros/dia não estão conseguindo a rentabilidade necessária para permancecer no ramo. As história são parecidas, mudando apenas as escalas de produção e alguns aspectos culturais.

Será Continuado.